Quando minha filha completou 6 meses de vida, tempo suficiente para sustentar a coluna vertebral, a irresponsabilidade que meus então 22 anos me garantiam, me fizeram a colocar na cadeirinha sobre o guidão da minha bicicleta e levá-la para passear pela primeira vez.
Esta era ela mais ou menos nesta idade.
Então lá estávamos nós a 30 e poucos quilômetros por hora, tomando vento na cara, descendo ladeiras só para ouvir aquela gargalhada gostosa e desdentada dela, curtindo muito a vida.Bom, essa é apenas uma das vantagens de ser mãe nova: seu “espírito livre” te permite irresponsabilidades que em nenhum outro momento da vida, você se permitirá.
O tempo passou e então a cadeirinha chegou ao seu limite -que o manual dizia ser 15 quilos, mas que comprovamos passar dos 20. E eventualmente ela ainda levava umas sacolinhas de compras do mercado no colo.
Isso foi outro dia, há uns dois meses.
Seus joelhos já batiam no mini-guidão, sua cabeça me impedia de ver a estrada e às vezes batia no meu queixo, mas nos divertíamos TANTO, que era impossível dizer adeus à cadeirinha, até que ela quebrou. Sozinha (não pelo excesso de peso, mas sim por ter tomado chuva num dia que a esquecemos fora de casa).
Ficamos arrasadas, porém motivadas a dar um novo passo rumo à independência ciclística da Gloria. Ela nunca caiu da cadeirinha, experimentou velocidades que nenhuma outra criança experimentou e fez passeios realmente longos sobre duas rodas muito antes de completar três anos.
Foi uma despedida dura, mas que precisava ser feita.
Então a mãe de um amigo da escola me indicou a dupla de “professores de bicicleta“.
-Professores de bicicleta?, indaguei.
-É! Eles ensinam as crianças a tirar as rodinhas.
Em principio achei estranho. EU deveria ser a encarregada dessa tarefa! E fomos tentar. Uma, duas, dez vezes. Nada. É mais difícil do que pensava. Alguns aspectos como o eixo de equilíbrio do corpo, a altura do banco, tudo isso somado ao fato de eu pedalar quase que profissionalmente e ser meio ansiosa por velocidade, tornaram o processo complexo demais para mim.
Fui ver qual era da dupla de professores.
E me apaixonei.
Eles têm a paciência que eu não tenho, a técnica e a didática que eu também não tenho e, principalmente, o tempo. O preço é justo, o trabalho bem feito e, em menos de duas semanas, a Gloria estava lá, toda feliz andando sem rodinhas.
Comecei então a aprimorar suas técnicas e agora já fazemos passeios de mais de uma hora pelo parque. Ela na bike dela, eu na minha. Sem a cadeirinha.
É engraçado: os filhos são, inicialmente, extensões de nós. São gerados dentro de nós, saem de nossas barrigas ainda presos à nós. Se alimentam, dependem de forma vital por muito tempo de nós.
Mas então os dias passam e eles vão dependendo menos, e menos e menos…
Dá saudade. Dói o coração. Ela não está mais na minha cadeirinha. Eu não posso mais beijar seu ombro enquanto pedalo, como sempre fazia. E tampouco posso impedir que caia. Ela está sobre suas rodas, e eu sobre as minhas. Mas estamos lado a lado.
Percebi então que ganhei a melhor companheira de esporte. E que, se tudo correr bem, teremos milhares de quilômetros a serem percorridos juntas. Meu orgulho de te ver girar sozinha me fez, sem que você percebesse, chorar um pouquinho, mas falei que era o vento. Porque é bobo demais chorar por isso, mas eu choro com facilidade.
Já sonho com nossos verões juntas, descendo as montanhas de Aspen, ou com a nossa dupla no Brasil Ride, daqui a uns 15 anos.
Já vejo nós duas rodando o mundo, e a bicicleta é só o pretexto para isso tudo. Porque sobre duas rodas, nesse universo tão familiar para mim, consigo te explicar e te fazer sentir como é a vida.
E te dizer que estarei sempre ao seu lado. E nunca te deixarei para trás. E que a estrada tem mesmo buracos e pedras, e às vezes a gente cai, se machuca, mas o vento na cara faz a gente esquecer tudo.
E que, quando você ficar cansada, eu puxo você, porque é assim que as duplas fazem. É assim que o amor existe. É assim que as coisas são: nem sempre fáceis, mas muito melhores quando temos as pessoas que amamos por perto.
Se fosse preciso, inventaria uma cadeirinha nova para te ter sempre aqui. Mas confio tanto em você e me orgulho tanto de sua independência, que prefiro te admirar, daqui de perto, toda prosa, indo embora.
Blog da autora: http://umdialargotudo.wordpress.com/ – lindos textos, recomendamos a leitura!